quarta-feira, 25 de abril de 2012

Sobre Brasília, brancos e negros...




Por Vicente de Paulo Siqueira

 Quem assistiu aos shows de Seu Jorge, precedido pela brasiliense Ellen Oléria, e de Caetano Veloso, precedido por Chico Cesar, nesse sábado e domingo, respectivamente, nas comemorações do aniversário de Brasília, pôde observar  e/ou viver na pele as contradições de nossa cultura e de nossa sociedade.

  ]No sábado, o show era dos negros Seu Jorge e Ellen Oléria, de sua música negra. O autor de “Burguesinha” vem com seu visual hip-hop e um discurso que não incomoda nem negros nem brancos; Ellen, na batalha por sua música, aparece com um som mais engajado, mais rico, quando canta composições suas ou “Zumbi”, de Jorge Benjor, e “Poeira”, de Luis Bonan e Sergio Reis, por exemplo, fazendo trânsito entre o sertão de Brasília de hoje e o que foi antes de Juscelino.
    No domingo, Chico César fazia o primeiro show da noite, ele de sempre, com seus carimbós e cocos, sua manha de paraibano curtido em São Paulo, sua poesia atenada, seu discurso engajado e despreocupado a só tempo, cantando novas e interessantes canções junto com outras nem tanto. Caetano entrou com o corpo, a voz e o violão, num show pra de intimista, cantando de “Sonho”, de Peninha, a “Portobello reggae”.

            Eu não queria ir ao show de Seu Jorge, porque tinha ficado a tarde inteira na Bienal do Livro, porque estava com minha filha e sua amiga, porque precisava me recompor para estar nos shows de Chico César e Caetano, porque Seu Jorge não faz a minha, apesar de seus dotes inquestionáveis, que são a intensa presença de palco e o timbre — me parece — diferente, de veludo, que se perde nas músicas bobinhas. Mas as meninas queriam, insistiam, e fomos ao show, e o que vimos no caminho entre a feira de livros e o palco montado no meio da esplanada, mais ou menos à altura da catedral: muitos adolescentes, alvoroço, muito álcool, em garrafas, naqueles tubinhos plásticos que os vendedores levam no ombro, e muito, mas muito baculejo... A polícia chegava para um grupo e, com todo seu aparato, dava o bacu, mesmo que o grupo não estivesse ameaçando nem colocando ninguém em risco. Armas brancas e de fogo eram aprendidas, e, certamente, crak, algum baseado... Fala-se em 52 revólveres... Será? (Quem souber se isso é verdade, me diga...) Ah, sim... Quase não se fumava maconha, que a presença ostensiva da polícia espantou... Tivemos que sair do show quando seu Jorge iniciava a terceira ou quarta música, porque minhas companhias não aguentavam mais o clima pesado e a tensão constante entre os policiais e o público...

            No domingo fui com uma amiga ver o Chico César e o Caetano. Quase não tinha adolescentes, mas jovens e adultos muito educados, tranquilos, a beber uma cerveja, a acender aqui e ali um beque, a esperar com calma a entrada do mulato baiano, a assistir o negro de Catolé do Rocha a cantar “Respeitem meus cabelos, brancos”.  Ninguém incomodava a polícia, que passeava no meio do público, muita polícia, que não incomodava ninguém, compartilhava pacífica com os filhos da classe média a música e o cheiro inofensivo da maconha dos brancos...

 Na platéia de Ellen Oléria e seu Jorge estavam, é claro, os seus fãs, negros, “mulatos libertos” e uns privilegiados brancos que ficavam mais ao fundo e não eram percebidos pela polícia...  De repente, avisto um enorme estoque (neste caso, arma feita em casa ou na cadeia amolando-se um pedaço de metal), que tinha sido apreendido, na mão de um policial. E pensei que a atuação da polícia era mesmo necessária, mas caía no dilema, porque via os tantos bacus dados o tempo todo nos que, na maioria das vezes, não perturbavam a festa...

Ora, esses moços, pobres moços, estavam emboscados ali, como ocorre quando a polícia entra em uma sala de aula para baculejar (neologismo inventado por minha filha) os alunos, como negros fujões no fundo do mato... Por que a policia agia tão duramente durante o show de Oléria e o ator de “Cidade de Deus”  e  convivia tão harmoniosamente com a plateia de Caetano e Chico César? Porque o autor de “Mama África”, por razões de mercado e difusão, canta para a classe média e média alta, que são brancas, e, de leve, atinge os pobres; porque a poesia de Caetano não vem da favela nem a ela se destina... Estratificação social e cultural juntas... Porque a Capital vive o colapso populacional e sócio-econômico, que se expressa em momentos como esses, nos movimentos sociais que muito timidamente ocorrem (ver a  greves do professores e dos metroviários; a Saúde, que de tão fraca, não para; a ausência de espaços culturais nas cidades do entorno; a porcaria política toda).

 Ou pensamos com Chico César, em sua canção: “Isso tem que ser assim?”,ou como Caetano, quando, a contemplar, do palco, o Congresso Nacional, perguntava: “o que nós vamos fazer com tudo isso?”.
           
Beijos. http://atelieleve.blogspot.com/
um
dia
vai
haver
soul
para
todos

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