Por Vicente
de Paulo Siqueira
Quem assistiu aos shows de Seu
Jorge, precedido pela brasiliense Ellen Oléria, e de Caetano Veloso, precedido
por Chico Cesar, nesse sábado e domingo, respectivamente, nas comemorações do
aniversário de Brasília, pôde observar
e/ou viver na pele as contradições de nossa cultura e de nossa
sociedade.
Eu não queria ir ao show de Seu
Jorge, porque tinha ficado a tarde inteira na Bienal do Livro, porque estava
com minha filha e sua amiga, porque precisava me recompor para estar nos shows
de Chico César e Caetano, porque Seu Jorge não faz a minha, apesar de seus
dotes inquestionáveis, que são a intensa presença de palco e o timbre — me
parece — diferente, de veludo, que se perde nas músicas bobinhas. Mas as
meninas queriam, insistiam, e fomos ao show, e o que vimos no caminho entre a
feira de livros e o palco montado no meio da esplanada, mais ou menos à altura
da catedral: muitos adolescentes, alvoroço, muito álcool, em garrafas, naqueles
tubinhos plásticos que os vendedores levam no ombro, e muito, mas muito
baculejo... A polícia chegava para um grupo e, com todo seu aparato, dava o
bacu, mesmo que o grupo não estivesse ameaçando nem colocando ninguém em risco.
Armas brancas e de fogo eram aprendidas, e, certamente, crak, algum baseado...
Fala-se em 52 revólveres... Será? (Quem souber se isso é verdade, me diga...)
Ah, sim... Quase não se fumava maconha, que a presença ostensiva da polícia
espantou... Tivemos que sair do show quando seu Jorge iniciava a terceira ou
quarta música, porque minhas companhias não aguentavam mais o clima pesado e a
tensão constante entre os policiais e o público...
No domingo fui com uma amiga ver o
Chico César e o Caetano. Quase não tinha adolescentes, mas jovens e adultos
muito educados, tranquilos, a beber uma cerveja, a acender aqui e ali um beque,
a esperar com calma a entrada do mulato baiano, a assistir o negro de Catolé do
Rocha a cantar “Respeitem meus cabelos, brancos”. Ninguém incomodava a polícia, que passeava no
meio do público, muita polícia, que não incomodava ninguém, compartilhava
pacífica com os filhos da classe média a música e o cheiro inofensivo da
maconha dos brancos...
Na platéia de Ellen Oléria e seu
Jorge estavam, é claro, os seus fãs, negros, “mulatos libertos” e uns
privilegiados brancos que ficavam mais ao fundo e não eram percebidos pela
polícia... De repente, avisto um enorme estoque
(neste caso, arma feita em casa ou na cadeia amolando-se um pedaço de metal),
que tinha sido apreendido, na mão de um policial. E pensei que a atuação da
polícia era mesmo necessária, mas caía no dilema, porque via os tantos bacus
dados o tempo todo nos que, na maioria das vezes, não perturbavam a festa...
Ora, esses
moços, pobres moços, estavam emboscados ali, como ocorre quando a polícia entra
em uma sala de aula para baculejar (neologismo inventado por minha filha) os
alunos, como negros fujões no fundo do mato... Por que a policia agia tão
duramente durante o show de Oléria e o ator de “Cidade de Deus” e
convivia tão harmoniosamente com a plateia de Caetano e Chico César?
Porque o autor de “Mama África”, por razões de mercado e difusão, canta para a
classe média e média alta, que são brancas, e, de leve, atinge os pobres;
porque a poesia de Caetano não vem da favela nem a ela se destina...
Estratificação social e cultural juntas... Porque a Capital vive o colapso
populacional e sócio-econômico, que se expressa em momentos como esses, nos
movimentos sociais que muito timidamente ocorrem (ver a greves do professores e dos metroviários; a
Saúde, que de tão fraca, não para; a ausência de espaços culturais nas cidades
do entorno; a porcaria política toda).
Ou pensamos com Chico César, em sua canção:
“Isso tem que ser assim?”,ou como Caetano, quando, a contemplar, do palco, o
Congresso Nacional, perguntava: “o que nós vamos fazer com tudo isso?”.
Beijos.
http://atelieleve.blogspot.com/
um
dia
vai
haver
soul
para
todos
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