quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Cada vez mais seco! Artigo da Revista Geografia

No Brasil, mais de 31 milhões de pessoas vivem em áreas sujeitas à desertificação, que tem início com a destruição da caatinga, mau uso dos recursos hídricos e a degradação do solo


Maurício Barroso


O fenômeno das secas no Brasil vem de tempos distantes e, o primeiro período de estiagem pode ter ocorrido entre os anos de 1583 e 1585, quando o padre Fernão Cardin relatou o que ocorria na região Nordeste do País: “(…)uma grande seca e esterilidade na província e que cinco mil índios foram obrigados a fugir do sertão pela fome, socorrendo-se aos brancos”.

A seca nordestina já foi cantada em verso e prosa pelo Rei do Baião, Luiz Gonzaga, e por outros compositores oriundos da mesma região, mas a canção que retrata com um “q” de realismo o papel da sociedade e sua in?fluência, por vezes, nefasta ao meio ambiente, é “Sobradinho”, letra composta por Sá e Guarabyra: “O homem chega, já desfaz a natureza / Tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar / O São Francisco lá pra cima da Bahia / Diz que dia menos dia vai subir bem devagar / E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o sertão ia alagar / O sertão vai virar mar, dá no coração / O medo que algum dia o mar também vire sertão”.

Sahel
O Sahel, que em árabe signi?fica “costa” ou “fronteira”, é a região da África situada entre o deserto do Saara e as terras mais férteis a sul, que forma um corredor do Atlântico ao Mar Vermelho, numa largura que varia entre 500 e 700 km.
Convenção
A Convenção Internacional de Combate à Deserti?ficação foi iniciada em janeiro de 1993 e concluída em 17 de junho de 1994, data que se transformou no Dia Mundial de Luta Contra a Deserti?ficação. A Convenção já está em vigor desde 26 de dezembro de 1996 e foi assinada por mais de 190 países. O Congresso Nacional brasileiro aprovou a Convenção no dia 12 de junho de 1997.

Os longos períodos de estiagem não castigam apenas terras brasileiras. Em 1930, os três anos de seca no meio oeste americano agravaram a degradação da terra. A partir dali deu-se início a uma série de estudos e pesquisas acadêmicas voltadas ao conhecimento dos processos de deserti?ficação. Trinta anos mais tarde, o sahel africano é castigado pelo mesmo fenômeno, que resulta em mais de 500 mil mortes. A devastação dos recursos naturais e um modelo de desenvolvimento equivocado, é apontado por especialistas como uma das causas daquela seca.



No final da década de 70, após algumas convenções internacionais, foi observada a necessidade de implantar uma política específica para as regiões semiáridas do mundo, tanto por suas características ambientais como pela situação geral de suas populações.

Mas somente durante a Rio 92 os chefes de estados somados a organizações que trabalham com o meio ambiente evidenciaram o fracasso dos programas internacionais de combate à desertificação e decidiram mobilizar uma Convenção de Desertificação, que visava o comprometimento de todas as nações, particularmente dos países ricos, com a questão da seca.

Definição do termo

De acordo com o texto da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), desertificação é a degradação da terra nas regiões áridas, semiáridas e subsumidas secas, resultante de vários fatores, entre eles as variações climáticas e atividades humanas. O mesmo documento define que a degradação do solo é a perda ou redução da produtividade econômica ou biológica e da complexidade dos ecossistemas, causadas pela erosão do solo, deterioração das propriedades do solo e perda da vegetação natural.

Em “O Fenômeno das Secas no Nordeste do Brasil: uma abordagem conceitual”, artigo baseado no IX Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, o professor e especialista em Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (Brasília- DF) Marcos Airton de Sousa Freitas explica que grande parte de nosso planeta pertence à denominada área de risco à seca. “São regiões onde o montante precipitado aproxima-se do limite permitido à prática agrícola, aponta, e cita Sahel, o nordeste do Brasil, grande área da China, o platô Dekkan, na Índia, e parte da África do Sul como exemplos.

De acordo com o autor, nas décadas mais recentes, aparentemente as secas têm se apresentado com uma frequência e uma intensidade cada vez maiores em grande parte dos países, o que pode ter relação com o fenômeno das mudanças climáticas. Freitas lembra que consideráveis áreas das Américas do Norte e do Sul, Austrália, Europa e Ásia foram atingidas por secas extremas, acarretando relevantes prejuízos econômicos, sociais e ecológicos. “Na Austrália, por exemplo, no período de cerca de 100 anos, compreendendo de 1864 a 1965, oito períodos de secas extremas foram registrados, os quais, em média, apresentaram uma duração de cinco anos”.

No Brasil

Sobre o Brasil, o especialista em Recursos Hídricos relembra que os últimos períodos de secas no nordeste brasileiro foram de 1981 a 1983, de 1992 a 1993 e do ano de 2002 a 2003 (em 2012 a região também sofre com a estiagem). As consequências da secas extremas durante a década de 70 e 80 foram a fome e o êxodo da população rural em direção ao sul do País ou às grandes metrópoles do nordeste, como Fortaleza, Recife e Salvador, todas localizadas no litoral. O “Polígono das Secas” abrange uma área de cerca de 940.000 km², envolvendo partes de quase todos os estados do Nordeste. Freitas observa que a agricultura ainda é a base da economia da região e que os períodos prolongados de secas reduzem a umidade do solo, acarretando enormes perdas às culturas. “A perfeita compreensão do fenômeno das secas faz-se, portanto, extremamente necessária para o uso sustentável dos limitados recursos hídricos da região”, aponta.


Entre 2006 e 2007 foram realizados estudos sobre os impactos das mudanças climáticas globais para diversas áreas do território brasileiro, como Amazônia brasileira, nordeste Brasileiro, Pantanal e Bacia do Prata, evidenciando as anomalias de chuva e temperatura, assim como balanço hídrico para o século XXI. Um dos apontamentos definidos nesses estudos foi uma diferença básica entre a seca e outras ocorrências naturais como cheias, furacões e terremotos, que iniciam e terminam repentinamente e se restringem, normalmente, em uma pequena região. Já a estiagem, quase sempre, tem um início lento, uma longa duração e pode alcançar uma área extensa.


As maiores secas que o Brasil já teve:

1877
Cerca de 500 mil pessoas morreram nesse ano por causa da seca. O estado mais atingido foi Ceará. O imperador dom Pedro II foi ao Nordeste e prometeu vender “até a última joia da Coroa” para auxiliar a população da região, mas não vendeu.

1915
A longa estiagem fez o governo reestruturar o Instituto de Obras Contra as Secas (Iocs), que passou a construir açudes de grande porte.

1934/36
É considerada a maior seca de todos os tempos até o início dos anos 80. A estiagem atingiu nove estados nordestinos e chegou até Minas Gerais.

1979/85
A mais longa seca do século XX foi marcada por uma onda de saques que chegou ao auge em 1981. O presidente João Figueiredo declarou que só restava rezar para chover.

1997/99
Os sinais mais graves da estiagem começaram a ser sentidos em outubro daquele ano. Na época, ocorreram saques em mercados, feiras e prefeituras das cidades sertanejas.

2001
O Rio São Francisco sofreu com a maior seca da sua história. Somada ao assoreamento, a estiagem reduziu drasticamente o volume de suas águas. A barragem de Sobradinho, a mais importante da região, atingiu os níveis mais baixos de sua história. A água no local em 1º de novembro de 2001 estava a 6,3% da capacidade, que é de cerca 34 bilhões de metros cúbicos.


Extremos na Amazônia

Na cartilha “Mudanças de Clima, Mudanças de Vida” a organização não governamental Greenpeace estima que mais de 31 milhões de brasileiros vivem em áreas sujeitas à desertificação, em 1,3 milhão de km2. Na Paraíba, 70% do território, onde vivem 1,66 milhão de pessoas, já sofre com o problema. No Rio Grande do Norte, 97,5 % do território é vulnerável à desertificação. O relatório da ONG lembra que um aquecimento fora do normal nas águas do Atlântico Norte turbinou os furacões de 2005 e causou a pior seca em décadas na Amazônia, deixando comunidades sem água e sem comida. A navegação foi suspensa em diversas áreas. De acordo com o documento, houve um aumento de 300% nas queimadas no mês de setembro daquele ano. As chuvas só retornaram em outubro. Meses depois, a Amazônia foi exposta a outro extremo. Chuvas intensas no começo de 2006 provocaram uma forte enchente que invadiu casas de milhares de ribeirinhos.


As áreas onde o problema da desertificação é mais acentuado são chamadas de núcleos de desertificação, sendo reconhecidas pelo ministério do meio ambiente as seguintes:

1Núcleo do Seridó, localizado na região centro-sul do Rio Grande do Norte e centro-norte da Paraíba, abrangendo uma área de aproximadamente 2.341 Km2, envolvendo vários municípios em torno do município de Parelhas;

2 Núcleo de Irauçuba no noroeste do estado do Ceará abrangendo uma área de 4.000 Km2 incluindo os municípios de Irauçuba, Forquilha e Sobral;

3 Núcleo de Gilbués no Piauí, com uma área de aproximadamente 6.131 Km2 envolvendo os municípios de Gilbués e Monte Alegre;

4 Núcleo de Cabrobó em Pernambuco que totaliza uma área de 5.960 Km2 abrangendo os municípios de Cabrobó, Belém de São Francisco e Floresta.


Extensão da desertificação no mundo

1) A desertificação atinge 33% da superfície emersa do planeta.

2) As áreas afetadas pelo fenômeno abrigam mais de 2,6 bilhões de pessoas, 42% da população mundial.

3) Cerca de 22% da produção mundial de alimentos são oriundos de áreas susceptíveis a deserti?ficação.


Histórico da desertificação no Brasil

1960 – 1970
O crescimento da produção agrícola regional caracteriza-se pela incorporação de novas terras e pelos financiamentos da SUDENE. Agricultura tradicional e baixo nível tecnológico.

A partir de 1970
Uso intensivo na aplicação de capital, especialmente na bacia do Rio São Francisco. Agricultura irrigada, intensiva em capital, mas sem o adequado manejo.

Consequências
Contribuindo para o aumento dos níveis de degradação ambiental, como mostram os dados sobre a salinização dos solos em algumas áreas do Vale do São Francisco, e a evolução da produtividade agrícola, que vem decrescendo a taxas médias de 1,8%/ano.

As 6 principais causas da desertificação

Extrativismo
Vegetal (Extrativismo de Madeira) e Mineral

Desmatamento desordenado

Queimadas

Indústria
Olarias/Panificação Pastoreio (superpastoreio/sobrepastoreio) - 90% dos pastos usam a caatinga. Observado que a capacidade suporte da caatinga é de 8 a 13 ha/bovino e 1 a 1,5 ha/caprino tem-se verificado, nos últimos 30 anos, um aumento do rebanho em 50% (densidade populacional).

Agricultura
Uso intensivo do solo na agricultura, irrigação mal conduzida, manejo e utilização incorreta do solo (salinização).

Os resultados do desenvolvimento da agricultura moderna de ontem até hoje:

As mudanças climáticas, segundo o Greenpeace, já ameaçam o regime dos rios amazônicos, que sobem na época da cheia e descem na época seca. Há um círculo vicioso na região. Ainda de acordo com a ONG, desmatamentos e queimadas geram 75% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, esse índice coloca o País na posição de quarto maior poluidor mundial, lançando entre 200 e 300 milhões de toneladas de carbono na atmosfera por ano. Isso intensifica o aquecimento global, que torna o clima mais seco na Amazônia. A floresta fica mais vulnerável ao fogo e à destruição.


Parte da umidade da Amazônia é transportada pelas correntes de ar em direção ao centro-sul da América do Sul. As alterações no clima e o desmatamento na região amazônica diminuem a formação de nuvens sobre a floresta. Dependente dessas chuvas, a região sul do Brasil fica exposta a períodos de seca muito severos. Foi o que ocorreu no período de 2004 a 2006, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, que passaram por estiagens muito intensas. O Greenpeace observou que na safra 2004/2005, agricultores gaúchos enfrentaram a maior estiagem dos últimos 50 anos. A perda foi de 8,5 milhões de toneladas de grãos (soja, milho e feijão), com um prejuízo recorde de R$ 3,64 bilhões e 451 municípios em situação de emergência ou estado de calamidade.



Os resultados do desenvolvimento da agricultura moderna de ontem até hoje:

 
1 Apropriação, por parte dos países desenvolvidos (antigas potênciascoloniais) da biodiversidade e do patrimônio genético de diferentes espécies(milho, sorgo, tomate, batata, arroz, pimenta, etc.) usadas pelos povos das terras áridas e semiáridas, precursores no desenvolvimento da agricultura;

2 Adaptação e desenvolvimento dessas espécies em adequação às condições de clima e solos europeus;

3 Desenvolvimento de processos de produção agrícola em larga escala dos produtos originários das terras secas e adaptados às condições europeias;

4 Substituição progressiva das culturas agrícolas nativas através da reintrodução das espécies adaptadas;

5 Desenvolvimento da agricultura comercial adaptada às condições temperadas e/ou tropicais úmidas (altamente exigentes em água e solos) nas terras das colônias;

6 Disseminação das espécies adaptadas ao clima temperado para as terras secas, ampliando sua vulnerabilidade face às restrições de água e solos.

Áreas degradadas

Em reportagem da Agência Brasil, publicada em julho de 2012 sobre os resultados das discussões feitas no 9º Simpósio Nacional de Recuperação de Áreas Degradadas (9º Sinrad), o diretor do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Fernando Tatagiba, estimou em 140 milhões de hectares o total de terras degradas no País. De acordo com o diretor, existem áreas degradadas em todos os biomas e regiões. Isso, segundo Tatagiba, ocorre onde a ocupação humana é mais antiga, como é o caso da Mata Atlântica. Para ele, se as áreas degradadas forem recuperadas, não seria preciso derrubar mais nenhum hectare de floresta para agricultura e pecuária.

Na mesma reportagem, o chefe do Centro Nacional de Pesquisa de Agrobiologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Agrobiologia), Eduardo Campello, diz que o Brasil já detém tecnologia própria para reverter a degradação das terras, por meio de processos de seleção e manejo e trocando produtos químicos por insumos biológicos. Dessa maneira, ele considera ser possível reduzir ou até reverter a derrubada de florestas para a agropecuária.

O estudo sobre desertificação tem avançado no Brasil e no mundo. Apesar de discordâncias nos métodos de indicadores, todas as pesquisas têm por finalidade servir de material para políticas públicas que trabalham na diminuição do avanço desse fenômeno, que tem afligido o País durante décadas. Visto que além do aspecto ambiental a seca atinge diretamente famílias que vivem em regiões atingidas fortemente pela estiagem e que, com certeza, desejam que a canção de Sá e Guarabyra se torne um passado distante e que o mar continue sendo mar e o sertão altere sua seca realidade.


Fonte: Revista Época
Fonte: “Reflexos da Desertificação no Nordeste do Brasil” de Luciano José de Oliveira Accioly
Fonte: Ministério do Meio Ambiente
Fonte: Ministério do Meio Ambiente
Fonte: “INDICADORES DE DESERTIFICAÇÃO: histórico e perspectivas” de Heitor Matallo Junior

Brasília – Em 2011, Brasília ficou mais de 100 dias sem chuva. Segundo o Inmet, os brasilienses sofreram muito com os efeitos da seca.


Fonte: http://geografia.uol.com.br/geografia/mapas-demografia/45/artigo266105-1.asp
 

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