terça-feira, 14 de agosto de 2012

Marcha da Insensatez


Surpreende a insensatez de iniciativa aprovada pela comissão do Congresso que analisa a medida provisória decorrente de vetos ao Código Florestal. Por 15 votos a 12, a bancada ruralista venceu a queda de braço com os demais parlamentares. Decretou a morte das áreas de proteção nas margens de rios intermitentes.

Intermitente, vale lembrar, se opõe a perene. São os rios que, durante a seca, desaparecem temporariamente. Com as chuvas, voltam. Embora a Agência Nacional de Águas não tenha o número exato, calcula-se que 50% dos rios brasileiros se enquadram em tais características. Entre eles, Jaguaribe, Paraíba, Capibaribe, Paraguaçu e Piranhas-Açu.

A maioria se encontra no Nordeste, região que sofre com os rigores climáticos há séculos. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, nada menos de 80% dos rios do Piauí são intermitentes. No Centro-Oeste, para citar um exemplo, convém lembrar o percentual nada confortável da capital da República — 70%.

Mantida, a decisão dos ruralistas terá consequências desastrosas. Sem proteção, o rio que seca parte do ano pode, com o tempo, não voltar mais. Comprometer-se-ão, então, as bacias hidrográficas brasileiras, alimentadas também por eles. Comprometer-se-á, no fim da marcha desatinada, o fornecimento de água à população. É preço muito alto que o Brasil não pode pagar.

Deixar que rios vierem pasto, roça ou estrada é ato irresponsável e pouco inteligente. Não constitui novidade para ninguém a escassez de água doce no planeta, e a preocupação internacional com os mananciais. O Nordeste, bem antes do alerta mundial, sofre secas que levaram os moradores a abandonar casa e familiares na busca da sobrevivência. Este ano, o triste espetáculo se repete.

O Brasil cometeu desatinos ambientais ao longo da história. Não o fez só. Nações dos cinco continentes trilharam o mesmo caminho. Mas vivia-se outra realidade. Eram tempos em que desmatamento significava progresso, modernidade, civilização. As enchentes, o desabar de encostas, a destruição de bairros, a morte de crianças e adultos são respostas da natureza explorada além dos limites suportáveis.

Com o avanço da ciência, sabe-se que meio ambiente não é coração de mãe. Os recursos se esgotam. Ignorar a espada de Dâmocles que ameaça a vida dos rios — temporários e perenes — é tiro no pé. Atinge, inclusive, a atividade rural, que necessita de água para continuar a produzir. A quem interessa a tragédia?

Fonte: Correio Braziliense

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