Agência Brasil
Publicação: 07/06/2011 10:31 Atualização: 07/06/2011 10:46
Ézio Pires sonha com a criação do Ministério da Memória Nacional: "Sou um aposentado que me recuso a me recolher aos meus aposentos"
Para um poeta, a inspiração para escrever pode surgir de pequenas coisas, inclusive das experiências da vida. Com Ézio Pires, não é muito diferente. Os 84 anos de idade deixaram marcas em sua extensa criação. O reconhecimento desse trabalho vem em homenagens como a que ele recebe hoje, às 19h, na Biblioteca Nacional, no 18º Poemação, que privilegia a poesia brasiliense e serve como prólogo da 2ª Bienal Internacional de Poesia de Brasília, marcada para setembro.
Ézio Pires é um dos fundadores do Sindicato de Escritores do Distrito Federal e um dos precursores da criação literária em terras candangas. “Atualmente, sou um aposentado que me recuso a me recolher aos meus aposentos”, afirma ele, que trabalhou durante 19 anos como jornalista político e crítico literário do Correio. Dessa forma, a inquietude mental, misturada a boas doses de idealismo, não deixa esse fluminense radicado em Brasília desde 1960 parar de produzir.
O currículo extenso, com 12 livros publicados— entre eles, A beleza tem fome, Anjas, Hora marginal e Poema interrompido —, traduz o empenho dele em colocar no papel um raciocínio complexo e romântico ao mesmo tempo. Tanto que, com mais um livro prestes a ser publicado, o Tempo surdo do pós-nada ao pós-tudo, ele justifica a preocupação em preservar a própria obra para que ela seja apresentada a gerações futuras. “Sou um velho frustrado e entristecido por conta da memória. Fui homenageado diversas vezes, mas isso apenas representa que estou vivo. Mas e quando eu morrer? O que será feito das coisas que fiz?”, questiona.
Segundo ele, os brasileiros têm memória curta e, por isso, merecem uma autarquia que mostre a história nacional a partir de uma visão como a do povo, não de uma classe política dominante, que seleciona os temas a serem abordados nas escolas. “Na homenagem, vou fazer um discurso no qual quero expor a minha ideia de criar o Ministério da Memória Nacional, desvinculado do Ministério da Cultura”, promete.
O órgão governamental defendido por ele teria três departamentos básicos: o de memória histórica, que registra os eventos sociais; o de memória estética, que trata das “belezas” da vida; e o de memória histérica, que são todos aqueles fatos que a sociedade subestima, mas são importantes. Ainda conforme o poeta, o ostracismo pode se tornar uma arma apontada contra a própria vida, ou da sociedade.
Sobre a época em que atuava como militante político e criador do sindicato, ele afirma que tudo não passou de um período da vida, na juventude. O autointitulado “anárquico-conservador” se diz um revolucionário que nunca fez revolução. “Quando estava no sindicato, descobri que um escritor não pode fazer greve, pois isso é um boicote a si mesmo”, brinca.
Esse cérebro que não para aprofunda-se em dois pontos que podem mover a vida. O amor, reitera ele, é a mais pura expressão de preocupação com outra pessoa. Já a vergonha traz o discernimento necessário para a vida em sociedade. “Estou fazendo um inventário de como essas duas palavras são empregadas em textos. Pero Vaz de Caminha, por exemplo, menciona a palavra vergonha 13 vezes na carta do descobrimento do Brasil. Isso tudo porque a literatura está baseada nesses dois pilares sentimentais”, completa.
POEMAÇÃO 18
Sarau em homenagem a Ézio Pires, hoje, às 19h, no auditório da Biblioteca Nacional (2º andar). Participação dos poetas Antonio Miranda, Oleg Almeida, Donne Pitalurg, Yanoré Flávio e do grupo de choro Nois & Rita. Informações: 3325-5220. Entrada franca. Classificação indicativa livre.
Leia alguns poemas de Ézio Pires
Vida Torta
Estava só
Na rua
Olhando pra lua
A polícia
Me levou:
Protestei
Contra a invasão
Da minha solidão
Mas sem jeito
Me vi suspeito
De vida torta
Em horas mortas…
Pra Dançar
No baile das máscaras
A morte
Entra pelos fundos:
Discretamente me olha
E me
Chama pra dançar.
E dançamos até acabar a noite.
Santas Mulheres
Chego aos confins da solidão
Azul
Em carne e osso
Deste corpo nú de ódio
E amor
Só
Estou na sombra
Das santas mulheres putas…
Mil vezes ao dia
Elas abrem suas veias no cio
Só
Para ver
Um desejo que não existia
Para o ato de morrer p/ elas
Guardo as mãos livres
Coração intacto
Que bom viver
Sem querer viver
Só
Na sombra
Das santas mulheres putas…
Conservador
Em direção ao amor
Distante
Sou poeta
Caminhante…
Fico anárquico/conservador
Só pra ver o amor desta vida
Pelos instintos
perseguidos
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2011/06/07/interna_diversao_arte,255694/aos-84-anos-ezio-pires-e-homenageado-em-sarau-na-biblioteca-nacional.shtml
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