VIOLÊNCIA
Líder indígena é assassinada após participar de
protesto no STF
Segundo o cacique Valdemir Cáceres, o principal
suspeito do assassinato é o namorado da vítima, que tem ligações com
fazendeiros da região
PUBLICADO EM 06/11/14 - 11h26
DA REDAÇÃO
Dezesseis dias depois de voltar de um protesto em
Brasília diante do Supremo Tribunal Federal (STF), a líder kaiowá Marinalva
Manoel, 27, foi assassinada a golpes de faca em Dourados (MS). O corpo foi
encontrado na madrugada de sábado (1º), às margens da BR-163.
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Mãe de dois filhos, ela pertencia à comunidade Ñu
Porã, um conjunto de barracos de lona onde moram 28 famílias kaiowás. Eles
reivindicam cerca de 1.500 hectares, quase todos ocupados por uma empresa de
cultivo de grama. A área, embora em processo avançado de demarcação, também
sofre pressão de fazendas vizinhas e até de um projeto de loteamento, já que
está bem próxima do casco urbano.
Segundo o cacique Valdemir Cáceres, 45, o principal
suspeito do assassinato é o namorado de Marinalva, que tem ligações com
fazendeiros da região. "Ela é companheira de luta", afirmou, por
telefone. A Polícia Civil investiga o caso.
Confinada em pequenas terras indígenas
superpovoadas ou em acampamentos à beira de estradas, a população
guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul, de cerca de 50 mil habitantes, é a que
mais sofre com violência entre as etnias brasileiras. Dos 97 homicídios de
indígenas registrados no país no ano passado, 39 (40%) ocorreram no Estado,
segundo números do Ministério da Saúde.
Outro problema comum entre os indígenas da região é
o suicídio: 73 casos no ano passado, quase metade dos 115 registrados em todo
país.
Entre os dias 13 e 16 de outubro, Marinalva e
outros 44 índios guaranis-kaiowás viajaram de ônibus a Brasília. Ali, acamparam
diante do STF e se reuniram com procuradores do Ministério Público Federal
contra uma decisão da 2ª turma que ameaça reverter a demarcação de terras
indígenas identificadas pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em Mato Grosso
do Sul e em outros Estados.
A decisão, ainda não ratificada pelo plenário,
anula a demarcação da terra indígena Guyraroká, em Caarapó (MS), sob o
argumento de que a Funai não pode demarcar terras indígenas caso não houvesse
índios ocupando a área em 1988, ano da promulgação da Constituição.
O temor dos indígenas é que uma decisão
desfavorável criará jurisprudência para outras demarcações. Uma delas é a
própria Ñu Porã, onde os kaiowás ocupam apenas uma franja há 44 anos, embora
estudos antropológicos tenham identificado toda a área como ocupada tradicionalmente
pela etnia.
No último dia 31, o procurador-geral da República
recorreu da decisão do STF, sob o argumento de que os guaranis-kaiowás foram
expulsos de suas terras antes da promulgação da Constituição e que, portanto,
"há de ser relativizada a orientação quanto à referência temporal de
1988".
"O mais absurdo dessa decisão do STF é que ela
acontece poucas semanas antes da divulgação do relatório final da Comissão
Nacional da Verdade. A psicanalista Maria Rita Kehl, encarregada de cuidar
dessa questão das violações de direitos praticadas contra os povos indígenas no
período 1946-88, pôde constatar que a remoção forçada das comunidades
guaranis-kaiowás foi uma política oficial do Estado brasileiro em todo esse
período. Há numerosos exemplos em que as comunidades foram retiradas de seus
locais de ocupação tradicional pelo próprio SPI (Serviço de Proteção aos
Índios) e, depois, pela Funai", afirma o antropólogo Spensy Pimentel, da
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
"Como é que o STF quer definir a
impossibilidade de uma comunidade ter o direito a sua terra baseando-se na
ideia de que o grupo não estava no local em 1988, quando ela foi retirada dali
à força pelo próprio Estado anos antes?", completou Pimentel.
Folhapress
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