quarta-feira, 31 de agosto de 2011
Marcos Freitas: como água pela terra
(Prefácio do livro Inquietudes de Horas e Flores, de Marcos Freitas, a ser lançado na 21ª edição do Sarau Videoliteromusical Poemação)
O que mais impacta na poesia de Marcos Freitas é a harmonia e sensibilidade com as quais entrelaça assuntos cotidianos com paixões, mantendo o tom de inocência e humor, e conseguindo ser leve e profundo ao mesmo tempo. Acaso, porque a água é o elemento com que o poeta trabalha - seus conhecimentos sobre Hidrologia são bem testemunhados na área científica e profissional -, assim como a água o poeta se desliza com elegância e força pela vida e relacionamentos, por entre os vales da tristeza e as alegrias infantis, entre o fogo do erotismo e as normas da sociedade. Há também um olhar crítico, como no poema pseudo-irônico Alfabetização, sobre o sistema educativo: alfabetizou-se pelo MOBRAL/teve assistência do Projeto Rondon.... Apesar dos acidentes do caminho, como a água sua escrita é certeira, reflexo desse movimento interior, calmo e compensado, de equilibrista.
Como em muitas das vanguardas poéticas, consta nele a preocupação sobre a forma como continente insuficiente. O poeta é consciente das limitações da palavra e de suas batalhas de fronteira com o silêncio: pudesse eu compreender/o poder da palavra,/da fala,/mesmo quando esta/ao fim se cala.
Igualmente encontramos referências a outras leituras e autores em forma de intertextualidades, como no caso de Calderón de la Barca: uns dizem que os sonhos devem ser vividos/outros que eles devem ser divididos/já outro que sonhos sonhos são. A filosofia combina bem com a dúvida criativa: quase nunca/quis saber bem/como de fato você é...quase nunca/sei o que você é./quase nunca/sei o que nós somos.
Há em muitos momentos referências à infância, sem cair na brandura excessiva, renovando as visões, a linguagem, as lembranças. Tem os olhos de um menino sábio, quando se vê no foto taboca, quando come cocada (quebra-queixo), quando o cheiro do coco queimado traz memórias, quando brinca de imaginar lugares míticos em paisagens reais (Sete Cidades).
A magia coabita sem contradições. Vai pelo urbano e pelo mato, pelo interior e pela modernidade, sem trocar de sapato. E não precisa, porque suas palavras se adaptam ao contexto com originalidade. São às vezes meditações sobre a realidade, sem pretender mudá-la, outras vezes, são observações detidas no tempo, procurando o eterno atemporal que reside nos objetos e nas cenas, e até são brincadeiras verbais com duplo sentido.
Enfim, ler Marcos Freitas é entrar na reflexão sobre a realidade mais próxima, de viagem para dentro, e é estar na realidade com consciência de observador atento, sabendo que através dos olhos, como da palavra, estamos mostrando nosso coração.
Alicia Silvestre
Poeta, professora universitária e tradutora.
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