quinta-feira, 14 de junho de 2012

Kassab fecha o cerco sobre saraus na periferia

Destaque esquerda | Cultura Em entrevista ao Brasil de Fato, Robinson Padial, o poeta Binho, fala do fechamento de um dos mais tradicionais espaços de socialização da periferia 13/06/2012 José Francisco Neto da Redação Sarau do Binho em atividade antes do bar ser fechado por falta de alvará - Foto: Sarau do Binho A periferia de São Paulo perdeu mais um espaço de cultura, dessa vez na região do Campo Limpo, zona sul da Capital. O bar onde acontecia o tradicional Sarau do Binho, toda segunda-feira, foi fechado pela prefeitura devido à falta de alvará de funcionamento, com multas chegando a R$ 8 mil. O movimento dos saraus ganhou força na década de 2000 e se espalhou pelas periferias de São Paulo como pólos de resistência especialmente ligados à cultura hip-hop. Nas últimas semanas, a prefeitura de São Paulo fechou o cerco sobre o movimento. Além do sarau do Binho, o fechamento do Bar Lua Nova, no bairro do Bixiga e do Sarau da Poesia na Brasa, realizado no bairro Brasilândia, apontam para cerceamento por parte da prefeitura de atividades culturais com as mesmas características. Porém, Robinson Padial (Binho) revela que a questão não é apenas o documento que permite ou não o funcionamento do bar, pois por de trás do alvará, afirma que há um fator político. “Alvará de funcionamento ninguém tem. A questão é que se você não aceita colocar uma faixa de vereador aqui ou outra ali, é isso que vai acontecer. Então, é uma moeda de troca, tanto pra voto como pra dinheiro.” Segundo ele, o sarau é um meio que a população busca para se formar, onde ela acaba se encontrando e se colocando no mundo, porque normalmente fica escondida e se omite. “No sarau você está livre e de frente pra todo mundo com sua poesia. Acredito que isso ajuda a nos fortalecer como ser humano.” Em entrevista ao Brasil de Fato, Binho conta sua trajetória, suas dificuldades e conquistas nestes oito anos de trabalho cultural e político na região do Campo Limpo, e também fala das perdas que serão consequentes devido ao encerramento das atividades do sarau. ”Esse era o nosso ‘estar no mundo’, e acabamos perdendo isso também. Brasil de Fato – De onde surgiu a ideia de fazer sarau? Robinson Padial (Binho) – Surgiu em 1996, quando a gente fazia a noite da vela, em que ficávamos tocando música em vinil. Aí, de repente, entre uma música e outra, uma pessoa virava e falava que queria fazer uma poesia. A partir daí podemos dizer que a noite da vela foi um embrião do sarau, foi quando a poesia começou a ganhar destaque. Na época de eleição nós começamos a fazer algumas ações também. Tirávamos as placas dos políticos e colocávamos poesia no lugar delas. Só que ainda não era sarau. Foi o pessoal do Sarau da Cooperifa que veio com essa ideia posteriormente. Mas então já existia o sarau da Cooperifa na época? Ainda não. O sarau da Cooperifa veio depois. A gente fazia a noite da vela, mas não chamava de sarau. Quantas pessoas freqüentavam o sarau em seu bar? Em média cem pessoas, às vezes mais, às vezes menos, mas em média era isso. Fora a poesia, quais as outras apresentações que já tiveram lá? Já teve apresentações de música, dança, maracatu, além de projeção de vídeos, debates e diversas outras atividades. Qual a importância do sarau para a periferia? O sarau é um espaço que acontece dentro de um estabelecimento privado, só que ao mesmo tempo ele é público, onde você não precisa consumir nada para frequentar. Então, a importância é que é um espaço em que se criam outras relações em outros ambientes, inclusive geográficos. Às vezes a gente é convidado a fazer o sarau num outro lugar que tem uma estrutura, como por exemplo no Centro Educacional Unificado (CEU), mas você não consegue atingir o objetivo, pois é um local fechado e a relação acaba sendo outra. Como o sarau ganhou essa força? Foi através de divulgação, ou as pessoas que passaram a freqüentar que divulgavam? Foi divulgado de boca em boca. Já existia o movimento nessa parte cultural, mas isso em outro bar que eu tinha. A partir daí começamos a conhecer outros poetas, inclusive foi nessa época que a o sarau da Cooperifa estava no início, se formando. Portanto, o próprio movimento que já tinha um caldo cultural ajudou a gente nesse sentido. Por que os saraus nesses últimos anos têm se popularizado nas periferias? Porque no sarau todo mundo participa,é um meio em que a população busca para se formar. As pessoas acabam se encontrando, se colocando no mundo, porque normalmente elas ficam escondidas, se omitem, e no sarau não, você está livre e de frente pra todo mundo com sua poesia. Acredito que isso ajuda a nos fortalecer como ser humano Então o sarau acaba agregando as pessoas? Com certeza. Além de agregar ele te faz crítica também, pois tem diversas discussões no sarau. Lá no meu bar, por exemplo, a gente já discutiu o pré-sal, a questão dos guaranis-kaiowás, moradia, agrotóxico, enfim, a gente vai criando também um cidadão mais crítico nesses espaços. Qual será a maior perda, já que agora a prefeitura de São Paulo mandou fechar o seu bar alegando que você não tinha alvará de funcionamento? A maior perda é não ter mais um espaço em que você construía a memória. Embora a gente tenha muita coisa gravada e registrada, acabamos perdendo a referência do espaço físico também. Fora a relação que a gente tem de pertencimento. Ali era um local em que as pessoas recitavam seus poemas e exercitavam seus pensamentos. Esse era o nosso “estar no mundo”, e acabamos perdendo isso também. Você acha que o papel político do sarau pode ter motivado a prefeitura a fechar o seu estabelecimento comercial? Você acha que tem algum fator político por trás da liberação desse alvará? Tem sim. Porque ali era um foco de resistência que incomodava de certa forma. Sempre fizemos um trabalho independente, ou seja, eles (políticos) sabiam que não faríamos parceria em nenhum momento. No passado, não muito recente, tentaram se aproximar de alguma forma da gente, mas felizmente nós não corremos com esses caras. Portanto, tem um viés político, pelo motivo de você não compactuar, ou não se aliar a determinado vereador, entendeu? Então já teve político que procurou vocês lá para algum tipo de parceria? Não diretamente. Eles estão por aqui, os coronéis mandam, as prefeituras estão loteadas pelos vereadores, então a gente está refém. Nós nunca quisemos nos aliar a esse tipo de coisa, portanto isso se paga com um preço. Existem outros saraus que correm o risco de ter esse mesmo destino? Tem outros locais que também já tiveram multas, já sofreram outras retaliações, então não é uma coisa só aqui, sabe. O que as pessoas não entendem é que a gente decidiu fazer os saraus nesses espaços, porque é o único lugar que a gente tem. Nós não temos espaços públicos nas periferias, não tem parque, não tem uma praça, uma área verde, então a gente cria um espaço para que as pessoas se socializem. A gente não está lá (no bar) pra vender bebida. Não quer ver ninguém ficar doidão. Lá é um espaço de convivência social. Outros coletivos têm apoiado o sarau depois do fechamento? Tem. Realmente o pessoal se identificou com o sarau. Porque, na verdade, o que aconteceu foi uma arbitrariedade por parte da prefeitura, pois ninguém dialogou, simplesmente mandou fechar, deu multa e a gente não pôde abrir mais. As multas são de R$ 8 mil. E o sarau do Binho, continua? O sarau continua sim, a gente não vai desistir. Agora será um sarau itinerante, na medida do possível, conforme a gente conseguir fazer e se locomover. A gente vai fortalecer outros espaços culturais, outros parceiros que apoiam a causa e que estão junto com a gente. Então nós vamos circular um pouco com o sarau. E o bar? O bar vai ficar fechado, não tem mais condições de ficar aberto, infelizmente. Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/9808

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