quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Não foi só o terremoto que implodiu a ilhazinha dos pretos, o racismo metódico e cotidiano dá corpo ao genocídio sistematizado e previsível.

por Arísia Barros

O Haiti é uma ilhazinha dos pretos. Dos pretos mais pobres da América. A ilhazinha é símbolo da resistência de um povo que ousou cultuar sua fé, a cultura.
Em 1804 a ilhazinha dos pretos tornou-se a primeira república negra e o primeiro país da América Latina a conquistar sua independência e até hoje paga um preço altíssimo Os pretos não se renderam à França, mas a metrópole européia buscou derrotá-los pela força do capital. A França cujo lema é Liberté, Égalité, Fraternité, ou seja, Liberdade, Igualdade, Fraternidade, cobrou, durante 100 anos, uma indenização pelas terras e “escravos” perdidos com a independência.
20 bilhões de dólares foi o valor da quota dos pretos pago à metrópole européia para ter direito a “carta de alforria” e o mundo não interviu...
Na ilhazinha dos pretos o que mais se tem é preto. Na ilhazinha a língua falada é o Kreyòl. No último censo em julho de 2007, eram 95% de negros e só 5% mulatos e brancos. Território quase 100% africano, uma África por excelência, e, é interessante como a condição étnica da população da ilhazinha dos pretos é invisibilizada nas inúmeras reportagens pós-terremoto em que o Haiti, agora, é protagonista.
O terremoto humano no Haiti acontece faz tempo. A AIDS no Haiti é um tsunami. Já matou 24.000 pessoas. A hepatite e malária também matam. Com a violência das catástrofes.
Na verdade a ilhazinha dos pretos vive no olho do furacão: 52,9% da população é analfabeta, outra maioria vive abaixo da linha da pobreza, os índices de mortalidade infantil e maternal são extremamente altos e segundo a ONU 70% dos quase dez milhões de haitianos estão desempregados. Na época da revolução haitiana negros era constantemente assassinados e açoitados. Na ilhazinha atual pretos morrem cotidianamente submetidos à fome, as doenças, as tragédias ambientais, as invasões, à ditadura. A Metrópole Européia isolou a ilhazinha dos pretos do continente americano para forçar a desgraça humana. A Metrópole Européia isolou a ilhazinha dos pretos para sucatear sua identidade soberanamente africana. Ancestral!
A escravidão de pretos é tratada com naturalidade, porque é “natural” para “um” mundo racista que pretos sejam explorados e oprimidos, que o digam os pretos que cotidianamente são feridos em sua dignidade pela condição étnica..
A condição étnica do Haiti cria condições favoráveis para que queiram aboli-lo do planeta. O Haiti é preto e pobre, entretanto o cônsul do Haiti no Brasil é branco.
Quanto mais pobre for o Haiti mais fácil é derrotar a ilhazinha dos pretos. Foi lá que aconteceu a primeira revolução anti-escravagista e anti-colonialista da humanidade. Identidade e resistência. Lá também aconteceu uma invasão americana.
Á margem de uma extrema pobreza o “farol da liberdade do povo negro no mundo”,
vive só em sua busca de liberdade. No mercado de trabalho, segundo a UNESCO, a mão de obra do Haiti é a mais barata do mundo. Mão de obra escrava!
Mas, não foi só o terremoto que implodiu a ilhazinha dos pretos, o racismo metódico e cotidiano dá corpo ao genocídio sistematizado e previsível.
O terremoto em Porto Príncipe não é pior crise humanitária em décadas, como arvoram as “autoridades’. A pior crise é o escombro moral provocada pela política utilitária de ocupação da ilhazinha dos pretos. Há séculos..
Se a infraestrutura do Haiti não fosse tão precária mais vidas poderiam ser salvas...
A democracia do Haiti é ferida constantemente, mesmo sem os desmontes da natureza. A ilhazinha possui belas praias, curte jazz e Hip-Hop. Localizada na entrada das Américas, mesmo combalida, quase exterminada, buscará caminhos para manter a soberania e a dignidade de seu povo.
É urgente que a missão humanitária internacional, inclusive o Brasil, de forma organizada e racional ajude o Haiti, hoje, a sair do caos e lenta mais persistente na construção do projeto de identidade nacional da ilhazinha dos pretos: a liberdade como condição de cidadania!
A Gigantesca ilhazinha dos pretos têm um lema em kréyol na língua dos “escravos” em contraponto ao Liberté, Égalité, Fraternité que diz: “bite n´bite nous pas tombe”, ou “seja tropeçamos, mas não caímos”.
A ilhazinha dos pretos renascerá!

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