sábado, 7 de dezembro de 2013

POESIA NO CONCRETO

Poesia em meio ao concreto Mensagens e versos escritos em postes, paradas de ônibus, meios-fios e passagens subterrâneas chamam a atenção dos brasilienses. Em geral, falam de sentimentos esquecidos na correria diária e podem servir como reflexão
GABRIELLA FURQUIM
    


Diego Pereira, na parada de ônibus da 616 Norte:
Diego Pereira, na parada de ônibus da 616 Norte: "São poesias curtas e fáceis de serem entendidas, mas que nos fazem refletir"

Quem caminha por Brasília encontra poesia estampada em locais inimagináveis. Os versos deixaram os livros e estão nas paradas de ônibus, nas passagens subterrâneas, nos postes, em meio-fios, nas calçadas, nas caçambas de lixo e em tapumes de obras. Basta um olhar atento para encontrar. No entanto, muitas vezes, as mensagens sem assinatura não encontram destinatário. Passam despercebidas na correria da cidade.
A agricultora Rita Lopes, 48 anos, deixou a pequena cidade de Pedra Branca do Amapari, no Amapá, e desembarcou em Brasília na última semana. Ao atravessar o Eixo Monumental, uma das vias centrais da capital, reparou em uma mensagem. “Li o cartaz com ‘Mais amor por favor’ e pensei: é isso! É o que falta. As pessoas aqui andam correndo, não olham para o lado, não enxergam o outro. Acho que olhar a pessoa ao lado é se preocupar com ela, é dar amor”, diz.
Conterrâneo de Rita, o funcionário público André Lopes, 27 anos, também se encantou. “A vida é tão corrida. Nós nos esquecemos de dizer o que sentimos. De falar ‘Eu te amo’. Mensagens assim, no meio da cidade, são muito bacanas. A gente olha e pensa. A poesia alcança a gente no meio da correria e nos faz refletir”, garante. O radialista Luiz Polesi, 53 anos, também notou o cartaz. “Achei muito bacana. Poesia é sempre bom. Não acho nota 10, acho nota 11”, afirmou. Polesi, que mora da cidade paulista de Taquaritinga, acredita que os poemas são uma intervenção diferente e atraem a atenção das pessoas. “É bonito. Deixa a cidade mais bonita. Não é como os rabiscos que ninguém entende”, ressalta, referindo-se às pichações.
A poesia de parede é comum nas grandes cidades de todo o mundo. Os versos são curtos e objetivos. Temas simples da vida são abordados sem profundidade, mas sem perder a dose de reflexão inerente à poesia em geral. Para muitos artistas, as intervenções são uma reação às propagandas que bombardeiam quem passa pelos grandes centros urbanos. Em Brasília, os versos ganham particularidades. Falam da solidão, do concreto, das ruas sem esquinas. A maioria dos poemas não é assinada. Os grupos de arte urbana disponibilizam os versos para download, como o brasiliense Coletivo Transverso. É uma arte que pode ser feita por todos e tem todos como público.
Acostumado a cruzar Brasília todos os dias, o motorista Daniel de Oliveira, 70 anos, confessa nunca ter reparado nas poesias espalhadas pela cidade. “Nós estamos sempre preocupados, atentos ao trânsito cada vez mais difícil de Brasília”, afirmou. Ao perceber um poema a poucos metros do local onde estava estacionado, ficou encantado. “Olha só que bonito! Poesia é a coisa melhor que existe. É amor”, disse. “Não fosse o amanhã, que dia agitado hoje seria”, dizia o verso em stencil, nos jardins suspensos entre o Centro de Convenções e o Clube do Choro. Daniel também não conhecia o local. “Que lugar bonito. Sempre passo por aqui, nunca imaginei que existia algo tão diferente”, afirmou. Caminhando por lá, encontrou outro poema: “Aqui as flores nascem do concreto”. “Que bom que há pessoas que espalham mensagens bonitas assim por aí”, comentou.

Tinta vermelha

Em uma parada de ônibus na 616 Norte, a tinta vermelha revela os versos: “Pés fortes, passos largos. Ruas sem esquinas. Um coração que pulsa.” À espera do coletivo, o estudante de veterinária Diego Pereira, 23 anos, gostou da mensagem. “Eu sempre vejo, reparo. São poesias curtas e fáceis de serem entendidas, mas que nos fazem refletir. É bom que andando pela cidade nós somos provocados, convidados a pensar algo diferente”, afirma.
Escrever mensagens em paredes pode ser considerado crime se a prática não for consentida pelo proprietário do imóvel e se descumprir as normas de conservação do patrimônio histórico nacional, com pena prevista de três meses a um ano de prisão e multa. Para o tradutor Rodrigo Gaspar, 36 anos, crime é impedir a arte urbana. “Ela agrega informação à vida corrida. É muito mais bonito que o cinza característico de Brasília”, afirmou.

Frase famosa

Em 2009, o artista Ygor Marotta, 24 anos, decidiu pedir mais amor ao mundo. O jeito encontrado foi escrever a frase com spray em muros de São Paulo. A mensagem ficou famosa nas redes sociais e se espalhou por diversas cidades do país e do mundo. Hoje, Ygor visita as cidades e promove mutirões para colar os cartazes. Mas outros artistas também adaptam as palavras e as espalham em novas versões.

Troca na ponte

O núcleo criativo do Transverso é formado por Cauê Novaes, mestre em literatura, Patrícia Bagniewski, artista plástica, e Patrícia Del Rey, poeta e atriz. Em três anos de existência, já foram realizadas mais de 400 intervenções, em diversas cidades brasileiras e alguns países, como China, Inglaterra, Portugal e Alemanha. Uma das obras de maior repercussão do grupo foi feita em julho de 2012. Eles trocaram o nome da Ponte Costa e Silva em homenagem ao sambista Bezerra da Silva.

Memória

Confissões de candangos

Aliviar a solidão escrevendo nas paredes não é prática nova em Brasília. Em 2011, mensagens e confissões de candangos foram encontradas em um vão no Congresso Nacional, prédio que abriga os deputados federais e senadores. As inscrições falam de amor, de esperança e de sonhos para o futuro do país. Uma delas diz assim: “Se todos os brasileiros fossem dignos de honra e honestidade, teríamos um Brasil bem melhor”. As mensagens foram fotografadas e ficaram no acervo do Museu da Câmara. As originais estão do jeito que foram encontradas.

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