quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Há Vagas nasceu em Brasília em momento de grandes promessas


A revista literária Há Vagas circulou em Brasília de setembro de 1982 a agosto de 1985, em três edições, que contaram com o apoio da Universidade de Brasília. Seus fundadores foram Armando Veloso, Chico Leite, José Adércio Leite e Paulo Joe, com a participação de Regina Ramalho, que fez a edição de arte do primeiro número, e um grande número de colaboradores. No início da década de 1980, o movimento literário de Brasília era muito intenso e os criadores da revista conseguiram agregar grande parte dos escritores que circulavam na cidade. Na época, a perspectiva de mudanças políticas, com o fim iminente da ditadura militar, e a capital ainda em busca de identidade, com apenas 22 anos de inaugurada, apontavam para um horizonte sem limites e muita expectativa também na cultura.

A primeira edição de Há Vagas trazia na capa um desenho que vazava para a contracapa, em que se viam todos os colaboradores da revista segurando a carteira de trabalho. Quem assinava o editorial, sob o título O homem é o lobby do homem, era o jornalista e poeta Tetê Catalão. Apesar de rico em metáforas, ainda hoje o texto não deixa dúvidas quanto à conjuntura política e econômica da época. “A pior recessão será aquela capaz de desfibrar sonho por sonho, letra por letra, carícia por carícia”, afirmava logo na primeira frase. “Em pleno desemprego nacional, afirma-se que HÁ VAGAS.” O país vivia os últimos suspiros da ditadura militar, em meio a crise econômica, mas ainda faltavam três anos para que o último presidente de fardas entregasse o poder.

“Quem achar que deve, se apresente. Afinal, quem diz que você pode ou não pode é você mesmo: se a vaga é tua, vai na vaga. Abre o vago-simpático e brilha vagau no brinquedo de estar lúcido.” Tetê Catalão fechou assim o editorial, e deu gás para que alguns escritores que enviaram colaborações à revista e não foram publicados protestassem contra a “falta de vagas”. No entanto, em suas três edições a revista veiculou textos de grande qualidade literária, de autores de diversos estilos e propostas, comprovando que as portas estavam, de fato, abertas.
Primeiro número – Um dos destaques da primeira edição de Há Vagas era o poeta Francisco Alvim, participante do movimento literário brasiliense, nome importante da poesia dos anos 70. Ele contribuiu com poemas e uma interessante entrevista, conduzida por vários dos colaboradores da revista, em que faz uma análise da ainda recente poesia marginal.
Entre os autores de contos, poemas e ilustrações publicados no primeiro número estão, além de seus criadores e editores, Ariosto Teixeira, Cassiano Nunes, Cesário de Sousa, Eduardo Rangel, João Borges, Jô Oliveira, Luis Eduardo Resende (Resa), Luís Martins, Paulo Andrade e Turiba.
Após a publicação do primeiro número de Há Vagas, houve uma dissidência de alguns escritores desse grupo, que se afastaram para criar a Bric-a-brac, outra revista literária de grande importância na história cultural de Brasília.
Segundo número – Na capa, o artista plástico Felix Valois reproduziu graficamente uma frase poética pichada em um muro de Brasília: “Não sei como as pal-/avras/ ainda são feitas/ de silenci-os!” O segundo número da revista foi editado por Chico Leite, Armando Veloso, Domingos Pereira Netto e Alexandre Marino, com a colaboração de Paulo Joe (São Paulo) e Theophilus (Fortaleza), e edição de arte de Milton Goes, Resa, Jô Oliveira, Evandro Abreu, Renato Ferrari e Rômulo Andrade. A data de edição constante na revista é primavera de 1984.
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Colaboraram no segundo número, além dos editores, Adriano Spinola, Cassiano Nunes, Carlos Herculano Lopes, Evandro Abreu, Lourenço Cazarré, Nirton Venancio, Patt Raider e Luís Turiba, entre outros. Chico Leite, Armando Veloso e Alexandre Marino conduziram a entrevista desta edição, com o poeta Affonso Romano de Santanna.
Uma das curiosidades desta segunda edição foi um conto cedido pelo poeta Paulo Leminski, de título Sintomas. De Leminski também foi publicado um poema, sem título. Outra curiosidade foi o poema enviado por Waly Salomão, O cólera e a febre. O poema fala de uma situação de tédio num domingo de sol. Waly teria ficado furioso ao ver a ilustração de Milton Goes para seu poema, cuja primeira estrofe trazia os versos “Um bode imundo irrompe/ (...) e perante minha pessoa a fera/ estaca e já dentro de mim se esmera/ (...)”. Na ilustração, Goes usou a imagem literal de um bode, o animal, que se transforma numa seta e fere o peito de um homem. Waly talvez não tenha compreendido que, neste caso, o bode foi a metáfora da metáfora, e o realismo reforçou a imagem figurada.
Terceiro número – A última edição de Há Vagas, de agosto de 1985, foi feita por Armando Veloso, Chico Leite e Alexandre Marino, com a colaboração de Paulo Joe e Theophilus. A edição de arte ficou a cargo de Milton Goes e Chico Leite. Cristina Bastos teve importante contribuição em todo o trabalho. A imagem da capa, do fotógrafo Juan Pratginestós, mostra um casal sentado nas arquibancadas vazias do antigo anfiteatro do Parque da Cidade, cenário do lendário Concerto Cabeças, e na contracapa as mesmas arquibancadas, lotadas, ambas fotos feitas do alto.
O poeta Ferreira Gullar foi entrevistado pela jornalista Patrícia Assis. A professora Maria Duarte escreveu um ensaio sobre arte e cultura nos novos tempos que se inauguravam no país. Encartadas na revista vinham as Breves anotações para um provável manigesto, com texto final de Chico Leite, que discutiam a proposta literária dos editores da revista, voltada para uma poesia de linguagem universal, uma “viagem da pedra primitiva ao neon”, revelada nos versos de Paulo Joe: “Nem vanguarda, nem retaguarda, apenas o que o coração aguarda.”
Entre os colaboradores desta edição estavam Alice Ruiz, Antonio Barreto, Guido Heleno, Nevinho Alarcão, Nilto Maciel, Paulo Leminski, Reynaldo Jardim, Thais Guimarães e Zaida Regina.
Há Vagas reuniu, em suas três edições, nomes de grande importância da literatura que se fazia na época em Brasília, publicando ainda escritores que se destacavam em outros estados por uma postura de inquietação e questionamento. Novos tempos chegavam. Há Vagas cumpriu sua parte.
Texto de Alexandre Marino

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